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A Síndrome de Stendhal

Impossível ficar indiferente diante de tantas belezas que uma visita à Florença nos proporciona! Berço do Renascimento, a cidade conserva lindos e importantes patrimônios artísticos no âmbito da pintura, arquitetura e escultura. Cada pessoa reage de uma forma diferente diante de uma obra de arte. E essa reação varia de acordo com nossa sensibilidade e estado de ânimo. E sabiam que existe uma síndrome, que apesar de não deixar consequências, afeta algumas pessoas chegando a provocar alguns transtornos psíquicos quando diante de determinadas obras? É a Síndrome de Stendhal, conhecida também como Síndrome de Firenze, doença psicossomática que teve seu nome inspirado no professor francês Stendhal, que descreveu em seu diário as sensações perturbadoras ao visitar a Basílica de Santa Croce. Detentora de tesouros arquitetônicos e artísticos, Firenze  é a cidade onde a síndrome se manifesta mais frequentemente, mas existem descrições  de casos parecidos em outras cidades da Itália e do mundo.

 

Interior da Igreja de Santa Croce, onde se manifestou a crise no escritor francês Stendhal. Ele foi a primeira pessoa a descrever os sintomas da síndrome, após visita à Basílica, em 1817

 

A Capela Niccolini

 

A Síndrome de Stendhal: quando o contato com a beleza das obras de arte provoca fortes emoções

Recebo constantemente mensagens e comentários das fotos que publico nas redes sociais de pessoas que se comovem diante da magnitude das obras seja nas ruas que no interior dos museus e igrejas.  E mesmo vivendo aqui há mais de 10 anos, de vez em quando me emociono ao passar por determinados locais. Às vezes me comovo observando as pinturas e as estátuas que encontramos a céu aberto nas praças e esquinas da cidade. E é disso que caracteriza-se a síndrome de Stendhal, de prazer estético, da nossa sensibilidade e percepção, só que de uma forma mais latente, que chega a causar transtornos.

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A beleza e grandiosidade da Catedral Santa Maria del Fiore. Sua cúpula foi construída por Filippo Brunelleschi (1377-1446), arquiteto e escultor precursor do Renascimento

 

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Aqui o interior da cúpula de Brunelleschi, obra-prima da arquitetura do período renascentista realizada por Giorgio Vasari

 

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Interior da igreja Santa Maria Novella

 

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A Loggia dei Lanzi, na Piazza della Signoria, museu a céu aberto

 

Sem ser alarmante, os distúrbios causados pela síndrome de Stendhal são mal estar, angústia, taquicardia, confusões mentais, vertigem, ataques de pânico e alucinações causadas pela beleza das obras de arte, especialmente da época do Renascimento, movimento que nasceu aqui na cidade no final do século 14.

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Stendhal precisou sair da igreja de Santa Croce para recuperar-se do mal-estar causado pela beleza das obras de arte

 

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Stendhal – “O mal-estar dos viajantes diante da grandiosidade da arte”

O nome foi inspirado no escritor francês  Stendhal, pseudônimo de Henri-Marie Beyle (1783-1842), que descreveu em seu diário o  transtorno emocional em visita à Basílica de Santa Croce, mais precisamente ao visitar a Cappella Niccolini, uma das 16 capelas da basílica.  E foi uma psiquiatra aqui de Firenze, Graziella Magherini, responsável pelo Departamento de psiquiatria do Hospital de Santa Maria Nuova de Firenze, que nos anos 70  estudou mais de 100 casos de pacientes (turistas que visitavam Firenze pela primeira vez) com sintomas semelhantes aos de Stendhal.  Segundo a sua análise, a síndrome atinge turistas de bom nível cultural, jovens e pessoas com grande sensibilidade estética.  Suas consequências não são muito graves, basta  repouso e descanso.  Os sintomas podem durar poucas horas ou, em alguns casos, alguns dias.

 

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A Síndrome de Stendhal foi estudada por uma psiquiatra italiana que a divulgou graças à publicação de um livro em que ela descreveu o resultado de um estudo realizado em mais de 100 pessoas. A doutora Graziella Margherini, chefe do serviço de saúde mental do Hospital Santa Maria Nuova,  escreveu “Síndrome de Stendhal. O mal-estar do viajante diante da grandeza da arte”, em 1979. Sua pesquisa foi baseada no comportamento de turistas que sentiam algum tipo de desconforto após a visita em alguns museus enquanto contemplavam obras de arte.

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Parte do texto escrito no livro Roma Napoli Firenze, escrito por Stendhal:

“Ao chegar a Florença, meu coração batia com força… em uma curva da estrada, meu olho mergulhou na planície e percebi, de longe, como uma massa escura, Santa Maria Del Fiore e sua famosa cúpula, obra-prima de Brunelleschi. Eu me dizia: É aqui que viveram Dante, Michelangelo, Leonardo da Vinci! Eis esta nobre cidade, a rainha da Idade Média! É nesses muros que começou a civilização… as lembranças se comprimiam em meu coração, sentia-me sem condição de raciocinar e entregava-me à minha loucura como junto de uma mulher a quem se ama…

Eu já me encontrava em uma espécie de êxtase pela idéia de estar em Florença e pela vizinhança dos grandes homens dos quais eu acabava de ver os túmulos [Michelangelo, Alfieri, Machiavel, Galileu]… Absorto na contemplação da beleza sublime, que via de perto, eu a tocava, por assim dizer. Tinha chegado ao ponto da emoção onde se encontram as sensações celestes proporcionadas pelas belas-artes e os sentimentos passionais. Saindo de Santa Croce, meu coração batia forte; a vida esgotara-se em mim, eu andava com medo de cair…”

Florença, 22 de janeiro de 1817

 

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A Galleria degli Uffizi

O Museu degli Uffizi, a  principal atração de Firenze  quando o assunto é arte e recebe mais de 2 milhões de visitas por ano. É um dos mais famosos e antigos museus do mundo, com verdadeiras obras de arte da época do Renascimento.  É dividido em cerca de 50 salas com obras de artistas como Botticelli,  Giotto, Tiziano, Da Vinci, Michelangelo, Cimabue e Caravaggio. Difícil não se emocionar diante de tanta perfeição e beleza!

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Obras do museu Uffizi: na foto maior, o Corredor Vasariano e abaixo a obra Nascimento de Vênus, de Botticelli e a Sala dei 400 com quadros e esculturas

 

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A igreja de Santa Croce, em Firenze

Uma das mais lindas e impressionantes igrejas que conheço é a Basílica franciscana de Santa Croce,  em Firenze. Sua magnífica fachada, em mármore de Carrara, representa um dos maiores expoentes do estilo neogótico italiano. A Santa Croce é famosa não apenas pela sua beleza, mas também porque ali estão os restos mortais de italianos ilustres como Maquiavel, Ghiberti, Michelangelo e Galileo.  Na Basílica, conhecida com o Templo das Glórias Italianas,  estão enterrados  muitos artistas do Renascimento e também  personalidades importantes de áreas como música e literatura.  Atuaram na igreja artistas  extraordinários como Giotto, Benedetto da Maiano, Taddeo Gaddi, Vasari, Donatello e Brunelleschi.

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A fachada neogótica da igreja Santa Croce, na praça homônima

 

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Estátua de Dante Alighieri, pai da língua italiana. Contrariamente como muitos pensam, sua tumba não está na igreja Santa Croce, mas em Ravenna, onde morreu no ano de 1321. No interior da igreja existe um túmulo simbólico dedicado ao poeta

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O monumento a Dante Alighieri foi esculpido por Enrico Pazzi em 1865 e retrata o poeta com uma expressão severa segurando sua obra-prima, a Divina Comédia, em uma das mãos. A obra demorou 14 anos para ficar pronta e a cidade de Ravenna não conseguiu custear a escultura, que foi patrocinada pela cidade de Firenze e por ricos senhores que contribuíram para custear a obra.

A fachada da igreja é obra de Niccolò Matas, inaugurada na segunda metade do século 19

O monumento foi colocado no centro da praça Santa Croce, que foi escolhida pela presença de muitos ilustres italianos sepultados na basílica. A obra foi  oficialmente inaugurada na presença do rei Vittorio Emanuele II, em 1865, por ocasião das comemorações do sexto centenário do nascimento de Dante.  A obra sofreu estragos causados ​​pela inundação de 1966 e a estátua foi restaurada e remontada em 1971  na escadaria da igreja.

 

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Participei de uma visita guiada à igreja  promovida pela Opera de Santa Croce,  com o apoio do jornal The Florentine e do @igers_firenze. O nosso encontro aconteceu neste pátio, de onde pudemos apreciar os arcos da igreja e ver ao fundo a Cappella dei Pazzi. Depois que atravessamos este jardim fomos para o subsolo, numa parte da igreja que geralmente não é  aberta ao público. Passamos por um corredor onde estão diversas sepulturas de italianos que lutaram na II Guerra Mundial.

 

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Em uma das capelas no subsolo com a nossa guia Donata Grossoni diante da Pietà, obra de Baccio Bardinelli, que representa Jesus morto (de 1552)

 

Depois que passamos por um corredor secreto e subimos por uma íngrime escada estreita tivemos uma excelente surpresa: fomos agraciados pelas espetaculares obras que adornam  a Cappella Maggiore. Os maravilhosos afrescos são de Agnolo Gaddi do ano de 1380.
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Na Santa Croce existem quase 4 mil obras que vão do século XIII ao século XX. Algumas se encontram em seu contexto original e mantém a função para a qual foi criada

 

Agnolo Gaddi, Leggenda della Vera Croce ( 1380-1390), na Cappella Maggiore

 

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Riqueza de detalhes nas pinturas e nos vitrais

Construção da igreja –  a construção da igreja começou em 1294 e o projeto foi  atribuído à Arnolfo Di Cambio, mas foi concluída quase um século depois e contou com a ajuda das ricas famílias florentinas que contribuíram com doações em troca de sepulturas na igreja.  Por este motivo é conhecida como  “a igreja de todos os cidadãos florentinos”.

A construção da Basílica de Santa Croce começou em 1294, provavelmente com projeto do grande arquiteto Arnolfo di Cambio. As obras foram concluídas em 1385 e a igreja foi consagrada em 1443

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Existem 16 capelas familiares na igreja, que é considerada a maior igreja franciscana do mundo.  A igreja é repleta de obras que encantam! Em seu interior uma infinidade de afrescos de pintores consagrados como Giotto e Taddeo Gaddi.

As capelas familiares da igreja de Santa Croce. Aqui, à direita  do altar, as duas capelas dos Bardi e Peruzzi, ricos banqueiros e comerciantes florentinos. Os afrescos nas paredes são o testemunho pictórico do maior renovador da arte do século 14: Giotto.

 

A Basílica de Santa Croce foi consagrada em 1443 pelo cardeal Bessarione, na presença do papa Eugênio IV.
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Entre as obras existentes na Basílica, uma das mais importantes é Crucificação de Donatello, datada de 1425

Apesar de ser uma igreja católica, existem túmulos de ateístas.   A primeira personalidade que foi enterrada lá foi Leonardo Bruni, enquanto o último foi Giovanni Gentile, em 1944. Estão sepultados na basílica celebridades como Gioachino  Rossini, compositor , e Leon Battista Alberti, arquiteto que desenhou a fachada da igreja de Santa Maria Novella.

 

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Pulpito de Benedetto da Maiano

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Na Capela Bardi di Vernio

Um dos momentos mais emocionantes do passeio foi poder visitar a Capela Niccolini, que normalmente não é aberta à visitação, e saber que naquele local, exatamente diante daquelas obras surgiu a Síndrome de Stendhal – esta é uma síndrome rara e é causada pela overdose da beleza de determinadas obras de arte, especialmente em espaços fechados. O nome da síndrome deve-se ao francês Stendhal que descreveu da seguinte forma a sua emoção: “absorto na contemplação de tão sublime beleza, atingi o ponto no qual me deparei com sensações celestiais”. Impressionante as pinturas e esculturas que enfeitam o local!
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Pintura do teto da capela Niccolini

Em seus sete séculos de história, a igreja foi enriquecida por doações de famílias ricas da cidade, que em troca obtiveram o privilégio de enterrar os parentes em suas muitas capelas. Hoje, sua herança artística é realmente extraordinária! Incrível imaginar como aquele ambiente abriga tanta arte e história,  além de segredos, mistérios e acontecimentos importantes para a humanidade também foram enterrados junto às numerosas sepulturas de artistas, cientistas e escritores. Em Santa Croce estão sepultados Maquiavel, Michelangelo, Rossini e Galileu Galilei. A Basílica  reúne o maior número de túmulos de  artistas renascentistas do que qualquer outra igreja na Itália.

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As lindas sepulturas da igreja. A presença de monumentos fúnebres de pessoas famosas, incluindo alguns cientistas, faz de Santa Croce o “panteão dos italianos”

 

Túmulo de Michelangelo Buonarroti, que morreu em Roma no ano de 1564 e foi trazido escondido pelo seu sobrinho Lionardo para Firenze

 

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Era comum construir túmulos decorados. Aqui o monumento em homenagem à Galileo Galilei

 

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Tumba do fiorentino Dante Alighieri (1265- 1321) , pai da língua italiana. A igreja também foi concebida para acomodar um imponente monumento à Dante, mas o seu corpo foi enterrado em Ravenna

 

Tumba monumental de Nicolau Maquiavel, que morreu em Florença em 21 de junho de 1527. A sepultura foi realizada na segunda metade do século 18

 

Obra de Donatello Annunciazione Cavalcanti  (1433-1435). Esta é uma das raras obras do artista colocada em sua posição original

 

Mas o principal motivo do nosso passeio era visitar a Cappella dei Pazzi,  que fica do lado direito da basílica, e é uma das obras primas renascentistas assinadas por Brunelleschi. A sua construção foi ordenada em torno de 1429 por Andrea de’ Pazzi, membro da rica família de banqueiros, mas as obras só começaram em torno de 1441, sendo completada na década de 1460. Atualmente o claustro faz parte do museu de Santa Croce. A campanha lançada para arrecadação de fundos para o restauro é através da plataforma de crowdfunding Kickstartrer.

 

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A guia Alexandra Korey explica sobre a Cappella dei Pazzi, obra da arquitetura renascentista, que apresenta perfeita geometria

No interior da Capela dos Pazzi obras em terracota vitrificada, realizadas por Luca e Andrea Della Robbia no século 15.

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O claustro da Cappella dei Pazzi que necessita de restauro. O material da capela foi feito em pietra serena (arenito) que se deteriora com o passar dos anos

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Entrada da capela. Uma das questões levantadas por especialistas em arte é que a fachada possivelmente é de outro artista, e não de Brunelleschi, pois apresenta um  estilo bem diferente do dele

Cenáculo 

No complexo de Santa Croce, próximo à Cappella dei Pazzi, fica o refeitório do convento com maravilhosas obras, como a Última Ceia, realizada por Giorgio Vasari e “Albero della Vita, Ultima cena e storie sacre”, realizada Taddeo Gaddi,  por volta de 1355.

 

Albero della Vita, Ultima cena e storie sacre, de Taddeo Gaddi,  estudante de Giotto

Abaixo, obra de Vasari que foi encomendada por Eleonora di Toledo para o convento delle Murate. Posteriormente a pintura foi transferida para o complexo de Santa Croce mas sofreu danos com a enchente de 1966, tendo ficado 12 horas  debaixo d’água. Apenas em 2006 decidiu-se de restaurar a obra, que ficou pronta em 2016.

A  Última Ceia,  obra de Vasari, realizada em 1546, mede  2,62 por 5,80 cm

O antigo dormitório dos frades franciscanos atualmente deu lugar à Escola de Couro onde os visitantes podem ver os artesãos criando objetos em couro como carteiras e bolsas, que são vendidos na loja em anexo.
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O pátio da Scuola del cuoio (escola de couro), com entrada pela rua San Giuseppe

 

Igreja de Santa Croce – Piazza Santa Croce, Firenze
A igreja de Santa Croce fica aberta de segunda à sábado,  das 9:30 às 17:30 e aos domingos  das 14 às 17:00 (sugiro confirmar no site os horários devido às festividades e feriados).
Valor do ingresso inteiro : 8  euros
Valor do ingresso reduzido (entre 12 e 17 anos): 6 euros
– A igreja oferece visitas guiadas a pagamento